Ariadne, segundo a mitologia grega, era filha do rei Minos de Creta e ajudou Teseu, filho do rei de Atenas a escapar do labirinto onde se encontrava o minotauro ( meio homem meio touro ), após matá-lo. Fez isso com a promessa de Teseu levá-la para Atenas e se casarem, pois estava apaixonada por ele. Entregou-lhe um novelo de lã ficando com uma extremidade, enquanto Teseu, ao penetrar no labirinto com a espada que tinha sido do seu pai, ia desenrolando o novelo. O regresso foi fácil seguindo o fio de lã. O desfecho deste relacionamento não foi agradável, pois Teseu abandonou Ariadne numa ilha deserta e seguiu para Atenas. Agora o que o fio de Ariadne tem a ver com Mossoró?, é isso que veremos agora.
Durante minha estada em Mossoró, dando aulas de Ciências e Matemática na escola Dom Jaime, aconteceram várias aventuras, como as de Baixa Grande, Ponta do Mel e Porto do Mangue, mas houve aventuras longe das praias como a que irei relatar agora e que tem relação com o fio de Ariadne.
Conversando com alguns alunos, descobri a existência de uma caverna que eles denominavam de Furnas, onde se podia encontrar cobras, sapos, aranhas caranguejeiras, morcegos, raposas e cachorros do mato entre outros animais, mas que ao final se encontraria também uma lagoa azul de água doce, contendo peixes. Era o paraíso para quem conseguisse superar o inferno da entrada. Procurando saber mais, principalmente entre os mais antigos, descobri que no inverno rigoroso a área ficava inundada e na época de seca o nível descia rapidamente, secando os túneis e fazendo recuar mais para baixo e para dentro o nível da água, formando a dita lagoa azul. O nome de Furnas decorria de uma linha de transmissão que passava próximo e nada tem a ver com uma outra caverna famosa localizada entre Mossoró e Baraúnas, também chamada de Furna Feia, próximo a BR 304. Para chegarmos a esta de Furnas, que pode ser também um outro nome popular para caverna, temos que atravessar a BR 110, indo na direção leste. Após muitas conversas, consegui encontrar um guia para nos levar até o local, mas que não iria entrar, no entanto, seus dois filhos, que tinham sido na época alunos meus, se animaram para me acompanhar. O guia, apesar de nunca ter entrado, tinha informações de pessoas que tinham explorado em tempos anteriores a caverna, que a água deveria estar entre 90 e 100 braças distante da entrada. Transformando essa medida para metros ( olha a utilidade da matemática na questão! ) as medidas ficavam entre 198 e 220 metros, usando a relação de 2,2 metros para 1 braça. Levamos então um carretel de linha de pesca com 150 metros grossa e um outro também com 150 metros só que com espessura fina. O motivo desta linha, corresponde a função do fio de Ariadne, pois a caverna tinha muitas derivações ou túneis, como um verdadeiro labirinto. O fio iria nos possibilitar voltar com segurança.
Nossa aventura foi em um domingo. Partimos bem cedo, em torno das 6 horas. Levávamos nas bicicletas, os dois carretéis, duas lanternas com pilhas novas, remendo e bomba para qualquer eventualidade com pneus das bicicletas e uma garrafa térmica com água. Não estávamos com relógio, mas acredito que gastamos cerca de uma hora até chegar ao local, passando por estradas de terra e barro além de trilhas no mato. Numa primeira exploração, observamos que a área externa não era muito extensa, apresentando rochas calcárias muito comum na região de Mossoró. A entrada principal parecia mais uma gruta, com salão bem amplo e restos de fogueiras, dando a entender que outros aventureiros e caçadores tiveram por lá. Havia também uma entrada secundária, só que esta era vertical, tínhamos que descer, segurando em pontas de pedras, uns 3 a 4 metros. Combinamos com o guia que ele nos esperaria nesta segunda entrada e nos preparamos para iniciar a exploração pela entrada principal, que tinha um grande salão com rochas apresentando extremidades irregulares e outras lisas, sem estruturas que caracterizassem infiltrações de água como estalactites ( estruturas pontiagudas, ou não, fixadas no teto ) e estalagmites ( estruturas pontiagudas, ou não, fixadas no solo ). Após amarrarmos a ponta do fio, que denominamos de Ariadne, em uma estaca e a fixarmos na entrada do túnel, começamos nossa aventura. Eu ia na frente desenrolando o carretel, o segundo segurando no fio e com a primeira lanterna acessa iluminando o caminho e, por fim, o terceiro companheiro segurando o fio e com a segunda lanterna de reserva. O início do túnel íamos agachados, com alguns trechos na frente em que tínhamos que ir deitados rastejando e sempre sobre uma areia que lembrava a de praia. Ao escurecer o túnel, o parceiro com a lanterna ligou-a, só que focando-a para cima, o resultado foi uma revoada de morcegos que nos obrigaram a deitar no chão, pois batiam principalmente em mim que estava na frente. Após se acalmarem, com o parceiro já treinado com a lanterna, continuamos com a caminhada, às vezes agachados outras vezes rastejando. Enquanto observava o caminho pensava nas doenças, como a histoplasmose, transmitida a partir de esporos, provenientes das fezes dos morcegos, presentes no ar. Ou até mesmo a raiva, através da mordida ( espécie Desmodus rotundo ). Como não sabia que espécie ou espécies habitavam lá, o jeito era relaxar e contar com a sorte de aventureiro. Os túneis apresentavam rochas sempre lisas ou com rugosidades e o solo sempre com areia lavada. O que nos leva a entender aquela estrutura como caminho de água corrente. Não demorou muito para observar outro habitante, além dos morcegos, daqueles túneis. Eram muito comuns entre as pedras, talvez para aproveitar a temperatura mais amena nestes locais, as rãs que diziam serem rãs touro ( Rana catesbiana ), algumas gigantescas, quase do tamanho de nossas cabeças, que nos olhavam bastantes desconfiadas e ofuscadas pela luz da lanterna ( bom, pode ser que haja algum exagero aí, pois a tensão do momento nos faz ver coisas estranhas né? KKKK... ). Contudo, esta espécie não é originária do Brasil, é usada apenas em criadouros. A pele era lisa e brilhosa apresentando manchas, não devendo ser sapo. Fica a dúvida sobre que espécie de rã era ou é comum na Furnas. A temperatura e a umidade eram bastante elevadas, fazendo-nos suar bastante e procurar respirar mais intensamente, compensando o ar com muita umidade e pouco oxigênio. No percurso, passamos por várias derivações, algumas estreitas, outras nem tanto, mas escolhemos aquela que nos facilitasse o caminho, sendo mais largas e com alturas maiores. Já estávamos no final dos 150 metros quando chegamos a entrada secundária, o que nos possibilitou respirarmos melhor e esticarmos os corpos, além de falarmos com o guia que ficou fora. Decidimos então terminar os metros restantes de fio do carretel e voltarmos para a entrada principal, seguindo então a exploração a partir da entrada secundária, depois de um descanso e uns bons goles de água.
A segunda parte da exploração em busca do lago azul, iniciou-se a partir da entrada secundária. Seguimos os mesmos passos anteriores, fixando a extremidade do fio de Ariadne no início do túnel e seguimos: eu na frente desenrolando o carretel, o segundo parceiro com a lanterna e o terceiro parceiro com a lanterna reserva. Agora não teríamos mais nenhuma entrada de luz natural à frente, nem possibilidade de contactar o guia, a não ser voltando. Já estávamos na metade do carretel, após passarmos por alguns morcegos e rãs, quando a lanterna falhou. Paramos enquanto o parceiro tentava resolver o problema na maior escuridão, e todos firmemente fixados ao fio salvador. O parceiro que estava com a lanterna reserva ligou a sua e observamos que ela também estava fraca, e olha que fizemos os testes nas lanternas antes de entrarmos. Após recuperarmos a primeira lanterna e notarmos que ela estava com a luminosidade não tão forte mais ainda boa, resolvemos continuar até o primeiro carretel terminar e voltarmos sem usar o segundo. Neste intervalo, o silêncio era tão intenso que até as batidas do coração eram escutadas e para complicar a tensão do momento, os guinchos dos morcegos ecoavam em todas as direções nos chamando para a escuridão total, enquanto o fio de Ariadne machucava nossas mãos de tão apertadas que estavam nele. As observações continuaram as mesmas, apenas morcegos e rãs, nada de aranhas, nada de cobras e nada de raposas e cachorros do mato. Ao final da linha, após explorarmos mais de 300 metros de túneis, nada também da lagoa azul. Muito desapontados, mas de certa forma aliviados, pegamos o caminho de volta. Logo depois do retorno a primeira lanterna pifou de vez e a de reserva era ligada esporadicamente para poupá-la, conseguimos chegar ao salão da segunda entrada e a escalamos em busca do ar reparador e da água salvadora, pois suávamos muito lá embaixo. Combinamos de voltar uma outra vez mais equipados, mas infelizmente ou felizmente, isso nunca aconteceu. Talvez se tivéssemos ido não muito depois do inverno, como foi o caso, o resultado fosse outro, mas valeu a aventura nos túneis das Furnas tanto para mim como para os demais parceiros, pois tiveram muitas histórias para contar aos amigos durante um bom tempo, cada uma mais cabeluda que a outra, hahahaha...
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Imagem dando a visão geral da área. |
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Espécie natural do Brasil que achei mais parecida com a encontrada nas Furnas: Leptodactylus flavopictus |
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